domingo, 18 de novembro de 2007

O mito dos narcisos nas disco-tocas

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A febre de sábado à noite começa com uma ordem mundial: soltem os prisioneiros. Quem nunca acordou, sem saber muito bem como e porquê num espaço cuja fauna parece saída directamente do livro da selva. Não é em vão que os nossos ilustres historiadores, arqueólogos, paleontólogos e outros que dedicam a sua vida a estudar a evolução e origem do Homem, tenham chegado à conclusão que o Homo Sapiens descendeu dos primatas. Salvo raras excepções, muito raras nos dias que correm, as disco-tocas tornaram-se um lugar comum para os mortais expressarem o mito do narciso. Mas afinal qual é a simbologia deste mito, além daquelas que já foram exaustivamente debatidas? Quem são os narcisos nas disco-tocas? É alguém que se apaixona pela própria imagem. Na teoria Junguiana, a sombra representa tudo aquilo que não conhecemos de nós, mas que podemos ainda vir a conhecer, tais como potencialidades das quais ainda não tivemos consciência ou, se tivemos, pode não ter havido oportunidade para desenvolvê-las e, desta forma, elas ainda se encontram lá, na obscuridade da nossa sombra, fazem parte da nossa sombra. Também, tudo aquilo que mais detestamos em nós e que conhecemos mas desejaríamos não ter conhecido jamais e, procuramos esquecer e reprimir da maneira mais eficiente possível. Assim, ao reflectirmos no narciso que vive em nós, deparamos com uma situação um tanto sombria. A música passa a ser a fonte de narcose, batidas sucessivas, entorpecentes que servem apenas para exorcizar os demónios interiores. Aliados àqueles que procuram o tal banho de modernidade, junta-se a turma do croquete, autênticos viciados do bar aberto que vibram, estremecem e se excitam ao som dessas batidas, exibindo freneticamente aquilo que aprenderam no National Geographic. Não há assim gente muito bonita, não há aquele ar descontraído, é tudo igual, mas em regra geral toda a gente se preocupa muito com a aparência. O que estes narcisos amam é o seu reflexo, é a sua alma-sombra. Sob (esta) influência ama-se o que se auto-reflecte e, reflecte-se o que se ama. A sedução dos olhares e a cumplicidade dos sentidos foi corrompida pelas técnicas do acasalamento gratuito. O culminar de uma entrega que envolve duas pessoas ao longo de uma actuação traduz-se numa excitação para aqueles que seguem atentamente aquele jogo de não sedução. A presa é sangrada para que descongestione e possa vir ao de cima a sua bravura, corrigindo-lhe alguns defeitos, como a sua forma de investida, e por muito estranho que pareça caí sobre aquele cenário uma chuva de atenções. Terminada a caçada, exibem satisfatoriamente o troféu à saída. A noite cai sem manchas e sem culpa. No alto, a utópica Lua vela comigo e sonha coalhar de branco todas as sombras do mundo, pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta nocturna. Transformar o mundo, mudar a vida, ou, como queria o Mário Sá-Carneiro, "um pouco mais de azul".

13 comentários:

Anónimo disse...

como já cantarolava aquele senhor das armas e rosas:

"Welcome to the jungle
We got fun 'n' games
We got everything you want
Honey we know the names
We are the people that can find
Whatever you may need
If you got the money honey
We got your disease" ...we wanna watch you bleeeeeeed!! :D

Anónimo disse...

Tanta gente e tão poucas almas.

Von

Red Light Special disse...

Onde assino por baixo???
Fabuloso este teu texto!!!!
Muito bom mesmo!!!!
É por estas e por outras que com frequência flutuo numa apneia desta selva narcisista...
beijos e boa semana para ti!

black puss in white boots disse...

Esse era o mesmo senhor que cantava:

"Take me down to the paradise city
Where the grass is green and the girls are pretty
Oh, won't you please take me home."
Blackiss ;)

black puss in white boots disse...

Almas perdidas que vagueiam sozinhas à espera de se encontrarem.

black puss in white boots disse...

Selva narcisista e canibal quando damos conta já ficámos sem um pedacinho de pele.
Obrigada, uma excelente semana também para ti ;)
Blackiss

aqui-há-gato disse...

Dominadora de gatos...
Hum a ver vamos:)



O Gato

Abssinto disse...

Gosto de discotecas:) As luzes, a música electrónica sexy, as pessoas bonitas, a própria decadência inerente às noites perdidas. O seu lado trágico é de facto o vazio, mas também é a Vida. Aprecio igualmente muitas outras "atitudes", nem me considero um homem da noite. Tudo faz falta à existência, mais que não seja para por momentos nos esquecermos que somos meros sacos de carne desinteressantes que para aqui andamos;)

bj

Anónimo disse...

Não gosto de discotecas, apenas das pessoas...
Por vezes mais vale um semblante carregado de admiração e espanto por ver um momento de escape de uma qualquer fauna faustiana/suburbana a imaginar um qualquer "e se...", do que a feira de vaidades ou exibição burlesca, onde se mostra o que não se é, e o que não se julga...
Será a noite um escape ou apenas um meio de escapismo?

Clérigo

black puss in white boots disse...

Não só dominadora como a especialidade é minhauzs e rron roons sincronizados em Si menor numa colecção soberba de 49 prelúdios corais :)

black puss in white boots disse...

Gosto de algumas também, abssinto, concordo contigo, mas nem todas estão ao nível do Lux por exemplo. Nós não somos sacos de carne desinteressantes, somos sim carne fresca, suculenta à espera de uma trinca com glamour ;)
Blackiss

black puss in white boots disse...

Colocaste a tónica no acento certo, clérigo. O mais importante são as pessoas, as suas atitudes, as suas formas de estar, os seus verdadeiros EUS, ainda que em conflito com os seus alter-egos.
A noite é um escape quando já não há escapatória possível para se escapar do escapista ;)
Blackiss

Abssinto disse...

É isso mesmo (o LUX! a palavra-chave;))

BJ