sábado, 29 de dezembro de 2007

Mudam-se os botões, mudam-se as vontades

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Os finais de ano são sempre deprimentes. Somos obrigados quase por empurrão a olhar para o ano que está a findar e analisar o que fizemos, o que não fizemos e o que vamos fazer. O ano está a acabar e continuamos vivos, o que não deixa de ser bom, mas poderia ser melhor. Poderíamos estar vivos e felizes, contudo, apenas vivos fechamos o ano. Neste ano arranjei uns sapatos, que se tornaram umas botas, difíceis de descalçar: fruto das escolhas feitas na bruta certeza de estar aqui. Carrego no peito um coração que pulsa e uma esponja que suga o mundo. Despedacei-me tantas vezes quantas foram necessárias e tantas outras erigi de novo o molde. Em jardins de esperanças, suguei o néctar de cada flor para nutrir ilusões. Pulsante, experimentei misturas que regurgitaram ais e alegrias. E porque ousei ser e não ser, suplantei adversidades. Desprezei amores, pudores, rancores e cultivei sementes. Fui e sou vida. O que é a vida, senão um fragmento de ilusão. É um teatro intermitente que procura fazer da realidade uma mentira. Mas tal realidade nunca deixa de ser real por nenhum segundo sequer. E bate bate bate...bate tanto no peito oco onde o mundo se esconde tão subtilmente. Inicia-se um doer de respirar. Uma esperança, mesmo que mínima, uma expectativa de que algo aconteça. Mas o problema é quando nada acontece. Quando a espera é somente uma espera....e nada mais. Um vão momento que traz saudade de? Queria sim odiar todos os sonhos. Queria muito fechar os olhos e acordar segundos depois, ignorar todas as imagens descoloridas e falsas. O mundo tem suas próprias cores e não adianta tentar pintá-lo com cores diferentes. As nossas tintas simplesmente não secam, misturam-se nas já existentes. As páginas dos dias melhores não foram arrancadas desse livro. Elas nem sequer foram ainda escritas. Espero que o novo ano traga botões novos para apertar e desapertar. Ou então fechos éclair. Como diria Vinicius de Moraes, para ganharmos um ano novo temos de merecê-lo, temos de fazê-lo de novo. E eu, vou começar a construi-lo já amanhã.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Neste natal quero um amante

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Porquê?
Porque os namorados namoram e os amantes amam...
Porque os namorados vêem-se todos os dias e os amantes vêem-se de vez em quando...
Porque os namorados não dão beijos, dão beijinhos e os amantes dão beijões...
Porque os namorados não dão abraços, dão abracinhos e os amantes dão apertões...
Porque os namorados adormecem e os amantes estão sempre acordados...
Porque os namorados não tem sentido de humor e os amantes riem-se muito...
Porque os namorados não gostam de brincar e os amantes são uns brincalhões...
Porque os namorados têm poucas saudades e os amantes têm muitas saudades...
Porque os namorados fazem qualquer coisa e os amantes fazem amor...
Porque os namorados partilham uma casa e os amantes partilham o coração...
Porque os namorados se sentam no sofá e os amantes se deitam no sofá...
Porque os namorados andam de mão dada e os amantes andam de mão roubada...
Porque os namorados falam ao ouvido e os amantes sussurram ao ouvido...
Porque os namorados não gostam de música e os amantes adoram a música que lhes dão...
Porque os namorados são sempre namorados e os amantes deixam de ser amantes porque passam a ser namorados...
Por isso, neste mundo globalizado, onde o corpo entra no mercado como capacidade de consumir e ser consumido e consumir é um prazer tal que algumas pessoas caem na armadilha repetitiva do excesso, não se fabrica amantes-namorados.
Por isso, neste natal perdi a cabeça e quero um amante, de preferência embrulhado em papel pardo, com fita vermelha de veludo, perfumada por palavras que me hipnotizem os sentidos e me rasguem o coração.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Siga o coelho branco!

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Esta ordem expressa é uma metáfora que nos faz astutos, instigados a correr, para chegarmos o mais depressa possível a um buraco qualquer. E a Alice no país das maravilhas, quer isto, ir, o quanto antes, para um mundo imaginário, único, o seu mundo, e para isto ela não se importa de cair num buraco qualquer. Esta é a Alice. Assim somos nós. Quantas vezes não vemos o mundo desabar e temos de nos guiar por caminhos pelos quais nunca pensámos seguir? Quais são as verdadeiras maravilhas senão a fantasia das nossas mentes tornadas realidade? Deixamos de ser protagonistas da nossa própria história, pois é a nossa história que acaba por se tornar protagonista da nossa vida. Estamos num mundo de realidades e fantasias que se mesclam constantemente. Será que não estamos a sonhar quando pensamos estar acordados? O que vemos não é tudo o que existe. A maior parte escapa-nos aos olhos. Toda a nossa imagem é o reflexo da nossa forma de olhar. Um olhar visto por olhos que não conhecem as suas próprias costas, que nunca vêem o que vem de trás, traídos pelo que se encontra num patamar não sensível. Mas também olhos conscientes, onde existe uma realidade à sua volta que dita regras e valores. "Por detrás do cadáver no reservatório, por detrás de um ressentimento de uma relação, por detrás da senhora que dança e do homem que bebe de forma insana, por detrás do olhar de fadiga, da crise de enxaqueca e do suspiro, há sempre uma outra historia, há mais do que nos chega aos olhos" (W. H. Auden). Olhos que enxergam de acordo com a natureza histórica do seu reflexo, representando-a por semelhanças e que entendem a importância do seu papel nos olhos daqueles que querem fazer história ou simplesmente daqueles que entendem o que vêem. Há os cegos vendados que não querem ver. Há os que vêem demais e são calados. Há muito ainda não visto. Outra das funções do olho é descobrir. Descobrir como é descoberto todas as vezes que tão somente é aberto. O que se pretende afinal é uma realidade sem desilusão, que perpetue o prazer e interrompa a dor. Uma realidade expurgada de culpa e de responsabilidade. É a possibilidade de refúgio num mundo esterilizado, sem consequências. É a realidade sem real. No novo universo é sempre possível pôr a experiência em pause. Além disso nada nos vincula às decisões tomadas, podemos dizer algo e em seguida o seu contrário e fazer delete das opções erradas. Ainda estamos no jogo? Nunca saberemos. Tudo o que a Alice queria era um mundo diferente, invertido. E nós, não é isso que queremos também?

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

A carraspana dos afectos

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Entre o quase nada e o quase tudo há sempre um quase-quase. Palavras que ficam por dizer, palavras que se dizem e que não se deviam ter dito, palavras que se pensam, palavras que ficam a meio, não saem. Bocas abertas, bocas costuradas, chuleadas, embainhadas e assexuadas. Afectos que mudam de pele, de corpo e de alma, mas que permanecem em silêncio. Porque é que não podemos embriagar-nos de afectos, sorver os sentidos com um gosto sempre diferente? A ressaca do dia seguinte de certeza que provocaria menos estragos. Se o meio nunca nos preenche, sabe a pouco, porque é que continuamos a bebê-lo? Se o cheio nos vai matar a sede, porque é que não agarramos um copo cheio de tudo aquilo que nos preenche? Porque é que temos medo de sentir o que sentimos? Porque é que temos medo de demonstrá-lo? Porque não temos tempo, porque não queremos ou porque dá trabalho? Simplesmente, porque somos uma sociedade emo-fóbica. É mais fácil viver a conta-gotas, derrama-se menos de cada vez. E para que o elixir dos afectos nunca acabe, vamos entornar o copo muitas vezes. Porquê? Porque sim!

domingo, 9 de dezembro de 2007

O amor é um lugar estranho

This love. This love is a strange love. In that it can lift a love. This love. This love. I think I'm gonna fall again. And ever when you held the hand. And turn 'em in your fingers, love. This love. Now rehearsed we stay, love. Doesn't know it is love. This love. This love. Doesn't have to feel love. Doesn't care to be love. It doesn't mean a thing. This love. This love loves love. It's a strange love, strange love. This love. This love. This love is a strange love, strange love. I'm gonna fall again love. Doesn't mean a thing. Think I'm gonna fall again. This Love. (Craig Armstrong feat Liz Fraser)

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

A insustentável leveza do ser

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A ideia do eterno retorno é uma ideia misteriosa. Pensar que tudo se repete da mesma forma e que a própria repetição se repete ad infinitum! Se cada segundo das nossas vidas se repete infinitas vezes, no mundo do eterno retorno, o peso da responsabilidade insuportável recai sobre cada movimento que fazemos. Se o eterno retorno é o mais pesado dos fardos, então as nossas vidas contrapõem-se a ele em toda a sua esplêndida leveza. Parmênides levantou essa questão. Ele via o mundo dividido em pares opostos: luz/escuridão, fineza/rudeza, calor/frio, ser/não-ser. A uma metade da oposição, chamou positiva (luz, fineza, calor, ser) à outra, negativa. O que escolheremos então? O peso ou a leveza?

domingo, 2 de dezembro de 2007

Os monólogos dos ciclopes

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Ruas cheias de gente, mas vazias de pessoas. Transportes públicos cheios de ruído mas ausentes de voz nos olhares e nas palavras. Os olhares deixaram de se cruzar, as palavras deixaram de ser tocadas. Carruagens cheias de ciclopes em silêncio. O monopólio ideológico do presente quer proibir os sonhos. A pessoa humana, concebida para criar e para exercer a liberdade responsável sem medo, é chamada a enfrentar a sua época pela reafirmação do direito à criatividade, à privacidade, à diversidade e aos sonhos. Tudo se passa como se na sociedade de consenso manipulado a instalação do pensamento único tivesse transformado o espaço público num espaço mediático, onde sobressai um tirano invisível. Trata-se do individualismo que fragmenta, isola, aliena o colectivo, individualismo egocêntrico e narcísico, mas também, individualismo agressivo, na exacerbação da competitividade. Indivíduos reduzidos às suas competências técnicas actuais são inabitantes: não têm laços, não partilham nada, não habitam em lado nenhum. O silêncio é, aparentemente, o contrário da comunicação. O jogo metafórico da própria linguagem põe a invisibilidade do que ao olhar se oculta, ou é ocultado, a decorrer do que silencia a palavra e é portanto do registo do (in) audível. A palavra que dá a ver. Há olhares que são cegos sem a palavra. O silêncio é sempre de algo que se silencia, que se guarda em segredo. Relação com os outros, relação com o mundo, relação com o destino. O corpo individual como destino, o espaço onde se vive como destino. Há como que um ar de "gasto" no ar do tempo. É este, efectivamente, que convém pensar. Somos cada vez mais confrontados com uma espécie de êxtase social. Essa explosão multiforme da carapaça da identidade, deve ser posta em ligação com a importância acrescida dos sentidos e do sensível. Vibrar com o outro, sob as suas diversas formas. Dilatar as potencialidades do "eu" entra em correspondência com a vontade natural das coisas, sentir a ordem interior que as move, ir no sentido da sua propensão. A sombra de Dionísio espalha-se nas nossas megalópolis. Efervescências múltiplas, estremecimentos de diversas ordens, anomias inumeráveis e nomadismos diversos. Aristóteles nota que o arqueiro procura com o olhar um alvo para as suas setas e nós não o procuraríamos para a nossa vida? Não se pode escapar a uma vida que devemos finalmente viver. Nos sonhos, as imagens importunam o inconsciente individual e forçam-no a explodir e a sair da temporalidade linear e racional que caracteriza a actividade diurna. No quadro do ciclo, faz de cada dia um momento de intensidade, aquele em que o acontecimento vivido pontualmente não é senão o eco de um advento sempre e de novo advindo. Rebelião contra uma sociedade do tédio. Rebelião contra uma pseudovida programada, que apenas deixa pouco lugar à aventura e ao simples prazer de existir. Nesse trágico vital, a sucessão das vidas é precisamente o que constitui o sucesso da vida. É certo que é difícil viver. Mas é essa aspereza que dá todo o seu sal à vida intensa.