sábado, 29 de dezembro de 2007

Mudam-se os botões, mudam-se as vontades

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Os finais de ano são sempre deprimentes. Somos obrigados quase por empurrão a olhar para o ano que está a findar e analisar o que fizemos, o que não fizemos e o que vamos fazer. O ano está a acabar e continuamos vivos, o que não deixa de ser bom, mas poderia ser melhor. Poderíamos estar vivos e felizes, contudo, apenas vivos fechamos o ano. Neste ano arranjei uns sapatos, que se tornaram umas botas, difíceis de descalçar: fruto das escolhas feitas na bruta certeza de estar aqui. Carrego no peito um coração que pulsa e uma esponja que suga o mundo. Despedacei-me tantas vezes quantas foram necessárias e tantas outras erigi de novo o molde. Em jardins de esperanças, suguei o néctar de cada flor para nutrir ilusões. Pulsante, experimentei misturas que regurgitaram ais e alegrias. E porque ousei ser e não ser, suplantei adversidades. Desprezei amores, pudores, rancores e cultivei sementes. Fui e sou vida. O que é a vida, senão um fragmento de ilusão. É um teatro intermitente que procura fazer da realidade uma mentira. Mas tal realidade nunca deixa de ser real por nenhum segundo sequer. E bate bate bate...bate tanto no peito oco onde o mundo se esconde tão subtilmente. Inicia-se um doer de respirar. Uma esperança, mesmo que mínima, uma expectativa de que algo aconteça. Mas o problema é quando nada acontece. Quando a espera é somente uma espera....e nada mais. Um vão momento que traz saudade de? Queria sim odiar todos os sonhos. Queria muito fechar os olhos e acordar segundos depois, ignorar todas as imagens descoloridas e falsas. O mundo tem suas próprias cores e não adianta tentar pintá-lo com cores diferentes. As nossas tintas simplesmente não secam, misturam-se nas já existentes. As páginas dos dias melhores não foram arrancadas desse livro. Elas nem sequer foram ainda escritas. Espero que o novo ano traga botões novos para apertar e desapertar. Ou então fechos éclair. Como diria Vinicius de Moraes, para ganharmos um ano novo temos de merecê-lo, temos de fazê-lo de novo. E eu, vou começar a construi-lo já amanhã.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Neste natal quero um amante

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Porquê?
Porque os namorados namoram e os amantes amam...
Porque os namorados vêem-se todos os dias e os amantes vêem-se de vez em quando...
Porque os namorados não dão beijos, dão beijinhos e os amantes dão beijões...
Porque os namorados não dão abraços, dão abracinhos e os amantes dão apertões...
Porque os namorados adormecem e os amantes estão sempre acordados...
Porque os namorados não tem sentido de humor e os amantes riem-se muito...
Porque os namorados não gostam de brincar e os amantes são uns brincalhões...
Porque os namorados têm poucas saudades e os amantes têm muitas saudades...
Porque os namorados fazem qualquer coisa e os amantes fazem amor...
Porque os namorados partilham uma casa e os amantes partilham o coração...
Porque os namorados se sentam no sofá e os amantes se deitam no sofá...
Porque os namorados andam de mão dada e os amantes andam de mão roubada...
Porque os namorados falam ao ouvido e os amantes sussurram ao ouvido...
Porque os namorados não gostam de música e os amantes adoram a música que lhes dão...
Porque os namorados são sempre namorados e os amantes deixam de ser amantes porque passam a ser namorados...
Por isso, neste mundo globalizado, onde o corpo entra no mercado como capacidade de consumir e ser consumido e consumir é um prazer tal que algumas pessoas caem na armadilha repetitiva do excesso, não se fabrica amantes-namorados.
Por isso, neste natal perdi a cabeça e quero um amante, de preferência embrulhado em papel pardo, com fita vermelha de veludo, perfumada por palavras que me hipnotizem os sentidos e me rasguem o coração.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Siga o coelho branco!

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Esta ordem expressa é uma metáfora que nos faz astutos, instigados a correr, para chegarmos o mais depressa possível a um buraco qualquer. E a Alice no país das maravilhas, quer isto, ir, o quanto antes, para um mundo imaginário, único, o seu mundo, e para isto ela não se importa de cair num buraco qualquer. Esta é a Alice. Assim somos nós. Quantas vezes não vemos o mundo desabar e temos de nos guiar por caminhos pelos quais nunca pensámos seguir? Quais são as verdadeiras maravilhas senão a fantasia das nossas mentes tornadas realidade? Deixamos de ser protagonistas da nossa própria história, pois é a nossa história que acaba por se tornar protagonista da nossa vida. Estamos num mundo de realidades e fantasias que se mesclam constantemente. Será que não estamos a sonhar quando pensamos estar acordados? O que vemos não é tudo o que existe. A maior parte escapa-nos aos olhos. Toda a nossa imagem é o reflexo da nossa forma de olhar. Um olhar visto por olhos que não conhecem as suas próprias costas, que nunca vêem o que vem de trás, traídos pelo que se encontra num patamar não sensível. Mas também olhos conscientes, onde existe uma realidade à sua volta que dita regras e valores. "Por detrás do cadáver no reservatório, por detrás de um ressentimento de uma relação, por detrás da senhora que dança e do homem que bebe de forma insana, por detrás do olhar de fadiga, da crise de enxaqueca e do suspiro, há sempre uma outra historia, há mais do que nos chega aos olhos" (W. H. Auden). Olhos que enxergam de acordo com a natureza histórica do seu reflexo, representando-a por semelhanças e que entendem a importância do seu papel nos olhos daqueles que querem fazer história ou simplesmente daqueles que entendem o que vêem. Há os cegos vendados que não querem ver. Há os que vêem demais e são calados. Há muito ainda não visto. Outra das funções do olho é descobrir. Descobrir como é descoberto todas as vezes que tão somente é aberto. O que se pretende afinal é uma realidade sem desilusão, que perpetue o prazer e interrompa a dor. Uma realidade expurgada de culpa e de responsabilidade. É a possibilidade de refúgio num mundo esterilizado, sem consequências. É a realidade sem real. No novo universo é sempre possível pôr a experiência em pause. Além disso nada nos vincula às decisões tomadas, podemos dizer algo e em seguida o seu contrário e fazer delete das opções erradas. Ainda estamos no jogo? Nunca saberemos. Tudo o que a Alice queria era um mundo diferente, invertido. E nós, não é isso que queremos também?

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

A carraspana dos afectos

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Entre o quase nada e o quase tudo há sempre um quase-quase. Palavras que ficam por dizer, palavras que se dizem e que não se deviam ter dito, palavras que se pensam, palavras que ficam a meio, não saem. Bocas abertas, bocas costuradas, chuleadas, embainhadas e assexuadas. Afectos que mudam de pele, de corpo e de alma, mas que permanecem em silêncio. Porque é que não podemos embriagar-nos de afectos, sorver os sentidos com um gosto sempre diferente? A ressaca do dia seguinte de certeza que provocaria menos estragos. Se o meio nunca nos preenche, sabe a pouco, porque é que continuamos a bebê-lo? Se o cheio nos vai matar a sede, porque é que não agarramos um copo cheio de tudo aquilo que nos preenche? Porque é que temos medo de sentir o que sentimos? Porque é que temos medo de demonstrá-lo? Porque não temos tempo, porque não queremos ou porque dá trabalho? Simplesmente, porque somos uma sociedade emo-fóbica. É mais fácil viver a conta-gotas, derrama-se menos de cada vez. E para que o elixir dos afectos nunca acabe, vamos entornar o copo muitas vezes. Porquê? Porque sim!

domingo, 9 de dezembro de 2007

O amor é um lugar estranho

This love. This love is a strange love. In that it can lift a love. This love. This love. I think I'm gonna fall again. And ever when you held the hand. And turn 'em in your fingers, love. This love. Now rehearsed we stay, love. Doesn't know it is love. This love. This love. Doesn't have to feel love. Doesn't care to be love. It doesn't mean a thing. This love. This love loves love. It's a strange love, strange love. This love. This love. This love is a strange love, strange love. I'm gonna fall again love. Doesn't mean a thing. Think I'm gonna fall again. This Love. (Craig Armstrong feat Liz Fraser)

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

A insustentável leveza do ser

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A ideia do eterno retorno é uma ideia misteriosa. Pensar que tudo se repete da mesma forma e que a própria repetição se repete ad infinitum! Se cada segundo das nossas vidas se repete infinitas vezes, no mundo do eterno retorno, o peso da responsabilidade insuportável recai sobre cada movimento que fazemos. Se o eterno retorno é o mais pesado dos fardos, então as nossas vidas contrapõem-se a ele em toda a sua esplêndida leveza. Parmênides levantou essa questão. Ele via o mundo dividido em pares opostos: luz/escuridão, fineza/rudeza, calor/frio, ser/não-ser. A uma metade da oposição, chamou positiva (luz, fineza, calor, ser) à outra, negativa. O que escolheremos então? O peso ou a leveza?

domingo, 2 de dezembro de 2007

Os monólogos dos ciclopes

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Ruas cheias de gente, mas vazias de pessoas. Transportes públicos cheios de ruído mas ausentes de voz nos olhares e nas palavras. Os olhares deixaram de se cruzar, as palavras deixaram de ser tocadas. Carruagens cheias de ciclopes em silêncio. O monopólio ideológico do presente quer proibir os sonhos. A pessoa humana, concebida para criar e para exercer a liberdade responsável sem medo, é chamada a enfrentar a sua época pela reafirmação do direito à criatividade, à privacidade, à diversidade e aos sonhos. Tudo se passa como se na sociedade de consenso manipulado a instalação do pensamento único tivesse transformado o espaço público num espaço mediático, onde sobressai um tirano invisível. Trata-se do individualismo que fragmenta, isola, aliena o colectivo, individualismo egocêntrico e narcísico, mas também, individualismo agressivo, na exacerbação da competitividade. Indivíduos reduzidos às suas competências técnicas actuais são inabitantes: não têm laços, não partilham nada, não habitam em lado nenhum. O silêncio é, aparentemente, o contrário da comunicação. O jogo metafórico da própria linguagem põe a invisibilidade do que ao olhar se oculta, ou é ocultado, a decorrer do que silencia a palavra e é portanto do registo do (in) audível. A palavra que dá a ver. Há olhares que são cegos sem a palavra. O silêncio é sempre de algo que se silencia, que se guarda em segredo. Relação com os outros, relação com o mundo, relação com o destino. O corpo individual como destino, o espaço onde se vive como destino. Há como que um ar de "gasto" no ar do tempo. É este, efectivamente, que convém pensar. Somos cada vez mais confrontados com uma espécie de êxtase social. Essa explosão multiforme da carapaça da identidade, deve ser posta em ligação com a importância acrescida dos sentidos e do sensível. Vibrar com o outro, sob as suas diversas formas. Dilatar as potencialidades do "eu" entra em correspondência com a vontade natural das coisas, sentir a ordem interior que as move, ir no sentido da sua propensão. A sombra de Dionísio espalha-se nas nossas megalópolis. Efervescências múltiplas, estremecimentos de diversas ordens, anomias inumeráveis e nomadismos diversos. Aristóteles nota que o arqueiro procura com o olhar um alvo para as suas setas e nós não o procuraríamos para a nossa vida? Não se pode escapar a uma vida que devemos finalmente viver. Nos sonhos, as imagens importunam o inconsciente individual e forçam-no a explodir e a sair da temporalidade linear e racional que caracteriza a actividade diurna. No quadro do ciclo, faz de cada dia um momento de intensidade, aquele em que o acontecimento vivido pontualmente não é senão o eco de um advento sempre e de novo advindo. Rebelião contra uma sociedade do tédio. Rebelião contra uma pseudovida programada, que apenas deixa pouco lugar à aventura e ao simples prazer de existir. Nesse trágico vital, a sucessão das vidas é precisamente o que constitui o sucesso da vida. É certo que é difícil viver. Mas é essa aspereza que dá todo o seu sal à vida intensa.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

O admirável mundo da voluptuosidade subversiva

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Este é o nosso tempo. Não podemos cair em tentação de o querer diabolizar ou angelizar, ele, como todos os tempos precedentes, é um tempo de homens. De cada vez que nos debruçamos sobre a aventura humana, na tentativa de perceber o sentido das coisas e as pulsões profundas dos homens, o que encontramos é a firmeza de um esforço insensato: negar que sejam as ideias, os valores, os sonhos, as raivas, os medos, os ódios, o altruísmo ou as angústias que fazem mover a humanidade. O homem do nosso tempo é alguém em vias de descobrir a escassez da existência. Aguarda a perenidade dos seus como condição para a sua própria perenidade. Somos potencialmente colectores. Colhemos tão somente uma existência e nada mais. Pensamos o homem como um elogio ao nada. Esse nada é tudo o que nos resta. É o valioso resto que nos constitui. O olho electrónico vigia ininterruptamente a vida quotidiana. No futuro, assim como no passado os avanços do conhecimento continuarão a despertar sonhos e medos à medida que os mistérios vão sendo desvendados. O artificial ganha toda a sua dimensão, criando uma estrutura onde tudo não é verdade mas acontece mesmo. O quotidiano é cada vez mais um lugar de hedonismo manifesto sem vergonha ou falsa pudicícia, o jogo das aparências. Dupla face das palavras, das pessoas e das coisas. "À imagem do tempo «homogéneo e vazio», o do relógio de ponto da fábrica, o vestuário funcional e o indivíduo que lhe serve de suporte (...) diz e rediz sempiternamente a monotonia da existência” (Maffesoli). Eis o trágico da aparência (aceitação lúcida do efémero). A ambiência afectuosa que caracteriza o "presenteismo" baseia-se na aparência, numa vida que se dá a ver, o voyeurismo da contemporaneidade. A vida é construída por prédios anorécticos, por actividades económicas paranóicas e por um sistema tecnológico totalmente maníaco. Da denúncia do totalitário à clausura do sujeito, a contracultura moderna, signo de decadência ou hipertrofia do real, parece, com efeito, preencher a pós- modernidade. Numa relação de inputs-outputs, os diálogos estendem-se à mobilidade do simbólico,ao espaço ritualizado pelo imaginário social. Nestes tempos de neoobscurantismo, descarregar a agressividade contida, interiorizada, pode apresentar-se como uma espécie de substituto da guerra. A crise social actual é também uma crise de tipo orgástico. A máscara não deixou de exercer um certo fascínio, vendo cada um aquilo que ameaça as democracias que se tornaram orwellianas, o rosto anónimo e múltiplo do cidadão vigiado, espiado e massificado. Perante tal cenário, pode-se por isso, falar de psicodrama planetário, de globalização emocional. Porque a questão essencial aqui é impedir que o mundo se desfaça, para usar as palavras de Camus.

sábado, 24 de novembro de 2007

As noites sem amanhã

Quando os dias se transformam em noites. E as noites se transformam em semanas, meses e anos. Noites em dias claros. Noites em dias escuros. Libertam-se os silêncios opressivos. Perpétuamente secretos, perpétuamente infinitos. Numa transcendência intensa que ultrapassa o racional. Prolongar até ao limite o vermelho incandescente do final de todas as noites. É agora madrugada… Cerro as pálpebras em epílogo. E no crepúsculo sombreado dos sonhos. Não existe amanhã.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Como colorir a vida no reino da obediência?

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O homem nasceu livre e em toda a parte se encontra acorrentado (Rousseau). Os tempos da pós-modernidade indiciam a tragédia humana da nossa impotência. Os condicionamentos de uma vida vegetativa e animal determinada pela lógica cega da razão, tornou-nos em seres humanos acéfalos, sem sentido de vida. Hoje, quase tudo o que os indivíduos fazem, pensam, sentem, orienta-se no sentido da violência e do desespero. Vivemos num mundo onde nada está à medida do homem, há uma desproporção monstruosa entre o corpo e o espírito, tudo é desequilíbrio. Nunca o indivíduo esteve tanto à mercê de uma sociedade cega e nunca os homens demonstraram tanta incapacidade por submeterem as suas acções aos seus pensamentos. Esse desequilíbrio devorador transformou a máquina social numa máquina de fabricar inconsciência, impotência e angústia, esmagando os espíritos dos homens. Com máscaras de gás podem-se forjar miseráveis rebanhos de seres enlouquecidos, prestes a ceder aos terrores mais insensatos e acolher com reconhecimento as mais humilhantes tiranias, mas não cidadãos. Numa sociedade em que os afectos são reprimidos e as paixões asfixiadas, os amores e os desamores são reactivos, em conformidade com as imagens e preconceitos que os meios de desinformação nos impingem. A profecia de Nietzsche concretizou-se. O mundo verdadeiro transformou-se em fábula. Toda a sociedade dividida entre os que mandam e os que obedecem é uma sociedade de servidão. Está na altura de tudo mudar para que chegue ao fim esta servidão voluntária. Mas se a ficção acabou é preciso reescrever a ficção. Nothing more than words... soltas...e ainda que lisas numa folha de papel, teremos de imaginá-las cúbicas, redondas, de chapéu, pintadas com um pincel de pêlo de camelo, azuis com pintas verdes e belas como a espuma do mar.

domingo, 18 de novembro de 2007

O mito dos narcisos nas disco-tocas

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A febre de sábado à noite começa com uma ordem mundial: soltem os prisioneiros. Quem nunca acordou, sem saber muito bem como e porquê num espaço cuja fauna parece saída directamente do livro da selva. Não é em vão que os nossos ilustres historiadores, arqueólogos, paleontólogos e outros que dedicam a sua vida a estudar a evolução e origem do Homem, tenham chegado à conclusão que o Homo Sapiens descendeu dos primatas. Salvo raras excepções, muito raras nos dias que correm, as disco-tocas tornaram-se um lugar comum para os mortais expressarem o mito do narciso. Mas afinal qual é a simbologia deste mito, além daquelas que já foram exaustivamente debatidas? Quem são os narcisos nas disco-tocas? É alguém que se apaixona pela própria imagem. Na teoria Junguiana, a sombra representa tudo aquilo que não conhecemos de nós, mas que podemos ainda vir a conhecer, tais como potencialidades das quais ainda não tivemos consciência ou, se tivemos, pode não ter havido oportunidade para desenvolvê-las e, desta forma, elas ainda se encontram lá, na obscuridade da nossa sombra, fazem parte da nossa sombra. Também, tudo aquilo que mais detestamos em nós e que conhecemos mas desejaríamos não ter conhecido jamais e, procuramos esquecer e reprimir da maneira mais eficiente possível. Assim, ao reflectirmos no narciso que vive em nós, deparamos com uma situação um tanto sombria. A música passa a ser a fonte de narcose, batidas sucessivas, entorpecentes que servem apenas para exorcizar os demónios interiores. Aliados àqueles que procuram o tal banho de modernidade, junta-se a turma do croquete, autênticos viciados do bar aberto que vibram, estremecem e se excitam ao som dessas batidas, exibindo freneticamente aquilo que aprenderam no National Geographic. Não há assim gente muito bonita, não há aquele ar descontraído, é tudo igual, mas em regra geral toda a gente se preocupa muito com a aparência. O que estes narcisos amam é o seu reflexo, é a sua alma-sombra. Sob (esta) influência ama-se o que se auto-reflecte e, reflecte-se o que se ama. A sedução dos olhares e a cumplicidade dos sentidos foi corrompida pelas técnicas do acasalamento gratuito. O culminar de uma entrega que envolve duas pessoas ao longo de uma actuação traduz-se numa excitação para aqueles que seguem atentamente aquele jogo de não sedução. A presa é sangrada para que descongestione e possa vir ao de cima a sua bravura, corrigindo-lhe alguns defeitos, como a sua forma de investida, e por muito estranho que pareça caí sobre aquele cenário uma chuva de atenções. Terminada a caçada, exibem satisfatoriamente o troféu à saída. A noite cai sem manchas e sem culpa. No alto, a utópica Lua vela comigo e sonha coalhar de branco todas as sombras do mundo, pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta nocturna. Transformar o mundo, mudar a vida, ou, como queria o Mário Sá-Carneiro, "um pouco mais de azul".

sábado, 17 de novembro de 2007

O espectro sombrio da alma

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Saboreio a saliva que me mastiga e mastigo minutos inundados pela lascívia. Lambo feridas brotadas no tempo em que te ausentaste de mim. Desato as teias dos afectos e desaperto os laços que me prendem à razão. Traços fugazes que corroem a alma, que se delineiam, decaídos, trazidos pela noite para me inebriarem. Mutilámos os desejos e os pesadelos mais apetitosos. Cego com a vastidão das nuvens e tenho miragens dos teus olhos no céu claro que me ofusca. No brilho da lua cheia de tudo e de nada devoro horas do agreste que me perfaz. Vazia de anseios, busco na cisterna aquele tudo que faltou. Esta noite, o sal das minhas lágrimas, salgou o mar.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

O sol nas noites e o luar nos dias

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De amor nada mais resta que um Outubro e quanto mais amada mais desisto: quanto mais tu me despes mais me cubro e quanto mais me escondo mais me avisto. E sei que mais te enleio e te deslumbro porque se mais me ofusco mais existo. Por dentro me ilumino, sol oculto, por fora te ajoelho, corpo místico. Não me acordes. Estou morta na quermesse dos teus beijos. Etérea, a minha espécie nem teus zelos amantes a demovem. Mas quanto mais em nuvem me desfaço mais de terra e de fogo é o abraço com que na carne queres reter-me jovem. Natália Correia

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Tesão intelectual

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Onde está o amor hoje em dia? Morreu ou renasceu das cinzas, vestido de Fénix? O ideal vitoriano de casal feliz, protagonizado pelo macho (homem) dominador e pela fêmea (mulher) dona de casa, submissa por vocação e frígida por opção, transformou-se numa autêntica peça de museu. A condenação do amor carnal como um pecado contra o espírito não é cristã mas sim platónica. Para Platão, o corpo é a manifestação sensível da essência. É a imitação, a cópia perfeita de um arquétipo divino. Longe vão os tempos em que se bradava bem alto: que o homem se deite sobre a mulher e, quieta e resguardada, a mulher por sob o homem, como manda e define a boa regra da fornicação destinada a procriar. Platão percebeu claramente a vertente “pânica” do amor, a sua conexão com o mundo da sexualidade animal e quis rompê-la de imediato. Mas há uma terrível contradição na concepção platónica do erotismo. Sem o corpo e o desejo que provoca no amante, não há ascensão rumo aos arquétipos divinos. Para contemplar as formas eternas e participar da essência, é preciso passar pelo corpo. Uma nova sexualidade está a nascer desligada da reprodução. À negação do romantismo e ao pragmatismo poder-se-ia acrescentar uma outra característica aos amantes de hoje, o pavor à solidão. Entre os novos ingredientes do amor surge a mulher emancipada. O amor passa a ser por pessoas e não por sexos. Octavio Paz oferece-nos algumas das mais lúcidas meditações sobre o erotismo e o amor. Nas palavras deste autor, existem cinco elementos que distinguem o amor: exclusividade (fidelidade); o obstáculo e a transgressão (como agente de subversão da ordem social); o domínio e a submissão (o desejo mútuo que faz o objecto transformar-se em sujeito desejante e o sujeito em objecto desejado); a fatalidade e a liberdade (a coexistência de uma atracção que parece emanar de um encantamento e a aceitação voluntária desse destino) e finalmente a união indissolúvel do corpo e da alma, quer dizer o reconhecimento do outro como pessoa com o que isso implica de imutabilidade e imortalidade. No fundo, temos a tendência a recordar o mito do andrógino, referido por Aristófanes, que dá a razão ao nosso desejo de ver no amor a satisfação do impulso de plenitude (o amor total e uno que quando alcançado propicia a felicidade). Mas muita coisa ficou pelo caminho, sexo doce, apetecível, de pegar, trocar e comer, sexos erectos sem viagra. Agora e de novo, o homem parece ter voltado a perder o medo do inferno. A poção mágica que uniu Tristão e Isolda numa paixão avassaladora e abrupta parece ter começado a fervilhar nos nossos dias. Que se reencontre o gosto de seduzir, se recrie o jogo dos corpos, dos afectos, dos sons, se redescubra o apelo efusivo das epidermes. Que se deseje sempre sorver e consumir o gosto das bocas, sentir o calor dos ventres, palpar os redondos seios da mulher ou o mármore de que é feito o dorso de um homem desnudo. Infelizmente vivemos numa sociedade demasiado neurótica com a imagem, com a fruição do efémero, desligada das sombras que há na escuridão, da obscura luz que desperta para o sonho. Estamos a perder o paladar pelo encanto sublime das palavras... E porque não dizer ao ouvido de quem amamos ou queremos amar: Tenho a ânsia infinita de te possuir até o fundo, sem qualquer constrangimento. Quero mastigar-te com todas as minhas glândulas gustativas, com os dedos enfiados no vento, quero lamber a liberdade. O encontro erótico começa com a visão do corpo desejado. Mal abraçamos essa forma, deixamos de percebê-la como presença e passamos a olhá-la como matéria concreta, palpável, que cabe nos braços e é ilimitada. À medida que a sensação se torna mais intensa, o corpo que abraçamos fica também mais intenso. Sensação de infinitude. Perdemos o nosso corpo no outro corpo. O abraço carnal é o apogeu e o abandono do corpo. Também é a experiência da perda da identidade, dispersa em mil sensações e visões. Todos os movimentos do amor são nocturnos mesmo quando praticados à luz do dia. Começa pela abolição do corpo, convertido numa substância infinita que palpita, se expande, se contrai e nos encerra nas águas primordiais. Um instante depois, a substância desvanece-se, o corpo volta a ser corpo e reaparece a presença. O amor nunca é uma relação, é relacionar-se, é sempre um rio, fluindo sem fim. Relacionar-se significa estar sempre a começar. Os amantes tornam-se espelhos um do outro e então, o amor torna-se uma meditação. Quanto mais conhecer, mais misterioso o outro se torna. Então o amor será uma aventura permanente. Esperemos que a humanidade se liberte da monotonia terrestre e inicie uma existência marcada por (des)aventuras fantásticas entre os troncos e folhas das árvores (daquelas árvores sagradas irlandesas onde habitam os duendes, fadas, os "little people" segundo a lenda celta). Para que nos jardins dos beijos raros e inebriantes, onde florescem jacarandás, de cores azul-lilás, púrpura e cobalto não sejam suficientes para o descrever em palavras.

sábado, 10 de novembro de 2007

Roads & Maps

Para ouvir nos dias cinzentos, nos dias coloridos, nos dias frios, nos dias quentes, nos dias sim, nos dias não, nos dias que não são dias, nos dias a seguir, nos dias antes, nos dias que não deviam existir, nos dias que deviam ser para sempre, nos dias em que não há nada, nos dias em que há tudo, nos dias em que existimos, nos dias em que não existimos...

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Um olhar lúcido e imparcial sobre as (i)mundices quotidianas - As tribos flutuantes dos festivais de verão

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À entrada no recinto mostra-se o bilhete e troca-se pela maldita pulseira atarrachada à medida do diâmetro pulsar. A Organização sempre atenta às tendências da estação, escolhe as cores que estão mais na modinha, tudo para estar a gosto das mais variadas tribos festivaleiras. As super argolas de betas, de tias e Lilis Peelings não têm desculpa para ficar de fora. O passo seguinte é comprar uma imperial e aí sim, dá-se início ao ritual. É tempo de procurar um local para descansar, numa roda sentada de espírito socializante, observa-se o recinto e as massas que rapidamente se fundem numa mistura de silhuetas. A monte surgem as inúmeras barraquinhas de comes e bebes, roulotes, souvenirs e brindes (bonés, lenços, t-shirts, raquetes...)para entreter aquela multidão esfaimada. Há quase sempre cuspidores de fogo, malabaristas e outros pseudo-artistas que resolvem dar largas à sua imaginação já bastante aviada. O ritual é sempre o mesmo: vinho, cerveja, fazer pipi, ou pópó e substâncias psicotrópicas, tudo em loop. Será que estamos perante a generation Sex and Mother Fucker? Por favor imberbes do couro, bebam uma coca-cola para limpar a cabeça e o estômago, os paizinhos agradecem! Continuando...a massa adopta uma postura peculiar, de braços no ar, a anca descai o joelho dobra e o pé assente no chão bate ligeiramente. A cabeça e o tronco movem-se com suaves inclinações,tudo depende do grau de ingestão alcoólica , se o cérebro já se encontra anestesiado, a cabeça e o tronco movem-se em ritmos mais lentos. Cada um viaja e tem a sua própria nave espacial instalada no cérebro. Mas existe uma grande coordenação dos braços e das mãos,ora se eleva alternada e vagarosamente o braço esquerdo para saciar uma eventual sede (a não ser que seja um clone do McGyver, e crie um boné com dois suportes para imperial com ligação por tubo directamente para a boca ou uma mochila devidamente apetrechada que permita armazenar grandes quantidades licorosas com respectiva ligação à boca),ora se eleva o braço direito para saciar um eventual fetiche em plantações marroquinas.Aqueles que anseiam pela vibração física e auditiva revelam-se excelentes acrobatas,vulgo moche. As pessoas com garrafa de água que saltam em êxtase, como se estivessem com espasmos ou com uma intensa dor abdominal, estão numa luta interior,onde imperam os ácidos e as pastilhas, com os demónios suficientes para exorcizar. Depois há aqueles que estão a vomitar ou a dormir no chão,nestes casos convém ir sempre atento, se possível levar uma lanterna, não vá tropeçar e cair em cima de algo bem desagradável. Finda a luz no palco, portas abertas, as massas desintegram-se, os sobreviventes arrastam os pés até abandonarem o recinto e voltam sãos e salvos para casa das mamãs. Para o ano há mais!

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

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Dói-me a alma do corpo e o corpo da alma...

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Lobo, porque és mau?

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I found her on a night of fire and noise Wild bells rang in a wild sky I knew from that moment on I'll love her till the day that I died And I kissed away a thousand tears My lady of the Various Sorrows Some begged, some borowed, some stolen Some kept safe for tomorrow On and endless night, silver star spangled The bells from the chapel went jingle-jangle

Do you love me? Do you love me? Do you love me? Do you love me? Do you love me? Do you love me? Do you love me? Like I love you?

She was given to me to put things right And I stacked all my accomplishments beside her Still I seemed so obselete and small I found God and all His devils inside her In my bed she cast the blizzard out A mock sun blazed upon her head So completely filled with light she was Her shadow fanged and hairy and mad Our love-lines grew hopelessly tangled And the bells from the chapel went jingle-jangle

Do you love me? Do you love me? Do you love me? Do you love me? Do you love me? Do you love me? Do you love me? Like I love you?

She had a heartful of love and devotion She had a mindful of tyranny and terror Well, I try, I do, I really try But I just err, baby, I do, I error So come find me, my darling one I'm down to the grounds, the very dregs Ah, here she comes, blocking the sun Blood running down the inside of her legs The moon in the sky is battered and mangled bAnd the bells from the chapel go jingle-jangle

Do you love me? Do you love me? Do you love me? Do you love me? Do you love me? Do you love me? Do you love me? Like I love you?

All things move toward their end I knew before I met her that I would lose her I swear I made every effort to be good to her I made every effort not to abuse her Crazy bracelets on her wrists and her ankles And the bells from the chapel go jingle-jangle

Do you love me? Do you love me? Do you love me? Do you love me? Do you love me? Do you love me? Do you love me? Like I love you?

Nick Cave

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

THEFASHIONRAMONE - Fashion quê?

THEFASHIONRAMONE são de Tóquio e assumem-se como veículos de cultura marginal, uma resposta às forças homogeneizadoras da globalização, onde o cliché "fashion" ganha contornos de alternativa estética.

"We would like to have a fucking postmodern romance with hot-intelligent-absurd people. We are not here to present news. We are here to give ourselves away. And seriously, we want hot people to fuck us.We take responsibility for the results...and for the guilt.If you are hot, fuck us."

Para todos os interessados, aqui fica uma sugestão dos modelitos...qualquer uma destas fatiotas fica sempre bem num casamento chato de família, numa reunião ou até mesmo para impressionar uma babe...

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A Julia Roberts é uma Neandertal

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Uma recente pesquisa publicada na revista Science leva-nos a crer que a temporada de caça aos genes dos neandertais acaba de produzir um fruto, digamos, fashion. Ao que tudo indica, pelo menos, assim parece, alguns desses hominídeos troncudos apresentam algo em comum com Julia Roberts: uma vasta cabeleira ruiva. Existe de facto um longo debate (quase tanto maior como os filmes do tio Manel de Oliveira) sobre os motivos que levaram a humanidade a ter desenvolvido olhos e cabelos claros. Há quem teorize sobre a selecção sexual. As características teriam simplesmente sido consideradas "sexies", e por isso se espalhado vezes sem conta (o chamado espermatozóide rabino e dançarino). Outros apostam na selecção natural. Em locais com pouca luz solar ao longo do ano, a pele clara deixa passar mais os raios do Sol e facilita a produção de vitamina D pelo organismo. Com um bocado de sorte, estes cientistas ainda vêm comprovar que os neandertais afinal eram metrossexuais. E aí a Julia Roberts está safa, uffff...ou talvez não...

domingo, 4 de novembro de 2007

Silicone babe, ou Lolo Ferrari

Dica da semana (sem patrocínio oficial do Lider) - prateleira avantajada dá múltiplos entorses Recomenda-se consumo em doses regradas e treinos frequentes, nunca em jejum para não bolsar.

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p.s - O Lider foi simpático e resolveu presentear-nos com um belo kg de marmelos maduros só por 0,99 €

Péniscasso faz arte...

O artista Tim Patch é um indivíduo que tem o dom da pintura, mas não usa um pincel convencional....

Ora aí está o que se pode chamar um artista do c.....

sábado, 27 de outubro de 2007

A bunda que engraçada

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A bunda, que engraçada. Está sempre sorrindo, nunca é trágica. Não lhe importa o que vai pela frente do corpo. A bunda basta-se. Existe algo mais? Talvez os seios. Ora – murmura a bunda – esses garotos ainda lhes falta muito que estudar. A bunda são duas luas gêmeas em rotundo meneio. Anda por si na cadência mimosa, no milagre de ser duas em uma, plenamente. A bunda se diverte por conta própria. E ama. Na cama agita-se. Montanhas avolumam-se, descem. Ondas batendo numa praia infinita. Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz na carícia de ser e balançar. Esferas harmoniosas sobre o caos. A bunda é a bunda, rebunda. Carlos Drummond de Andrade