Onde está o amor hoje em dia? Morreu ou renasceu das cinzas, vestido de Fénix? O ideal vitoriano de casal feliz, protagonizado pelo macho (homem) dominador e pela fêmea (mulher) dona de casa, submissa por vocação e frígida por opção, transformou-se numa autêntica peça de museu. A condenação do amor carnal como um pecado contra o espírito não é cristã mas sim platónica. Para Platão, o corpo é a manifestação sensível da essência. É a imitação, a cópia perfeita de um arquétipo divino. Longe vão os tempos em que se bradava bem alto: que o homem se deite sobre a mulher e, quieta e resguardada, a mulher por sob o homem, como manda e define a boa regra da fornicação destinada a procriar. Platão percebeu claramente a vertente “pânica” do amor, a sua conexão com o mundo da sexualidade animal e quis rompê-la de imediato. Mas há uma terrível contradição na concepção platónica do erotismo. Sem o corpo e o desejo que provoca no amante, não há ascensão rumo aos arquétipos divinos. Para contemplar as formas eternas e participar da essência, é preciso passar pelo corpo. Uma nova sexualidade está a nascer desligada da reprodução. À negação do romantismo e ao pragmatismo poder-se-ia acrescentar uma outra característica aos amantes de hoje, o pavor à solidão. Entre os novos ingredientes do amor surge a mulher emancipada. O amor passa a ser por pessoas e não por sexos. Octavio Paz oferece-nos algumas das mais lúcidas meditações sobre o erotismo e o amor. Nas palavras deste autor, existem cinco elementos que distinguem o amor: exclusividade (fidelidade); o obstáculo e a transgressão (como agente de subversão da ordem social); o domínio e a submissão (o desejo mútuo que faz o objecto transformar-se em sujeito desejante e o sujeito em objecto desejado); a fatalidade e a liberdade (a coexistência de uma atracção que parece emanar de um encantamento e a aceitação voluntária desse destino) e finalmente a união indissolúvel do corpo e da alma, quer dizer o reconhecimento do outro como pessoa com o que isso implica de imutabilidade e imortalidade. No fundo, temos a tendência a recordar o mito do andrógino, referido por Aristófanes, que dá a razão ao nosso desejo de ver no amor a satisfação do impulso de plenitude (o amor total e uno que quando alcançado propicia a felicidade). Mas muita coisa ficou pelo caminho, sexo doce, apetecível, de pegar, trocar e comer, sexos erectos sem viagra. Agora e de novo, o homem parece ter voltado a perder o medo do inferno. A poção mágica que uniu Tristão e Isolda numa paixão avassaladora e abrupta parece ter começado a fervilhar nos nossos dias. Que se reencontre o gosto de seduzir, se recrie o jogo dos corpos, dos afectos, dos sons, se redescubra o apelo efusivo das epidermes. Que se deseje sempre sorver e consumir o gosto das bocas, sentir o calor dos ventres, palpar os redondos seios da mulher ou o mármore de que é feito o dorso de um homem desnudo. Infelizmente vivemos numa sociedade demasiado neurótica com a imagem, com a fruição do efémero, desligada das sombras que há na escuridão, da obscura luz que desperta para o sonho. Estamos a perder o paladar pelo encanto sublime das palavras... E porque não dizer ao ouvido de quem amamos ou queremos amar: Tenho a ânsia infinita de te possuir até o fundo, sem qualquer constrangimento. Quero mastigar-te com todas as minhas glândulas gustativas, com os dedos enfiados no vento, quero lamber a liberdade. O encontro erótico começa com a visão do corpo desejado. Mal abraçamos essa forma, deixamos de percebê-la como presença e passamos a olhá-la como matéria concreta, palpável, que cabe nos braços e é ilimitada. À medida que a sensação se torna mais intensa, o corpo que abraçamos fica também mais intenso. Sensação de infinitude. Perdemos o nosso corpo no outro corpo. O abraço carnal é o apogeu e o abandono do corpo. Também é a experiência da perda da identidade, dispersa em mil sensações e visões. Todos os movimentos do amor são nocturnos mesmo quando praticados à luz do dia. Começa pela abolição do corpo, convertido numa substância infinita que palpita, se expande, se contrai e nos encerra nas águas primordiais. Um instante depois, a substância desvanece-se, o corpo volta a ser corpo e reaparece a presença. O amor nunca é uma relação, é relacionar-se, é sempre um rio, fluindo sem fim. Relacionar-se significa estar sempre a começar. Os amantes tornam-se espelhos um do outro e então, o amor torna-se uma meditação. Quanto mais conhecer, mais misterioso o outro se torna. Então o amor será uma aventura permanente. Esperemos que a humanidade se liberte da monotonia terrestre e inicie uma existência marcada por (des)aventuras fantásticas entre os troncos e folhas das árvores (daquelas árvores sagradas irlandesas onde habitam os duendes, fadas, os "little people" segundo a lenda celta). Para que nos jardins dos beijos raros e inebriantes, onde florescem jacarandás, de cores azul-lilás, púrpura e cobalto não sejam suficientes para o descrever em palavras.
segunda-feira, 12 de novembro de 2007
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11 comentários:
Chegaste a fazer o Secundário?
Uau. excelente ensaio. Os tempos são de facto outros. São os tempos das fêmeas que nos mordem e arranham e trincam fazendo questão de nos deixar ir marcados para o trabalho, como uma vez há relativamenet pouco tempo:D
bj e parabéns
Caríssimo lord of everwhon, lamento informá-lo mas não, sou ainda finalista da quarta classe, mas se não quinar até lá espero sim completar o secundário.
Saudações vampirescas.
Obrigada abssinto :) As fêmeas realmente são tramadas em deixar marcas, uma espécie de demarcação de território para eliminar potenciais adversárias.
Blackiss ;)
Encaixas bem... :)
P. S. Salvo seja.
De preferência six feet under, Von lord ;)
O abraço carnal, longo, descomunal, liberto de regras humanas e tempos de espera, é a sucessão quase imóvel do desejo selvagem e magnético contido entre liláses e e chuvas ternas de dias redondos e noites iluminadas pelos cheiros e pelas palavras entrecortadas por dedos que escorregam nas peles suadas. O amor, o corpo, o desejo não são completos sem a entrega desse abraço carnal. E sem ele, o prazer...
Von
Sem dúvida Von, sem ele o prazer será somente um efémero vazio, frio e dilacerante que nos corta ao meio sem piedade.
E valerá a pena esse vazio?
Trocarias uma vida efémera por um esgar de prazer, ainda que efémero?
Clérigo
Não gosto de efémeros, gosto de perpetuar os momentos por tempo indeterminado. Os efémeros são vazios. O prazer nem sempre é efémero. Prefiro o odor e o sabor de uma vida cheia do tudo que me preenche.
Blackiss
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