quarta-feira, 4 de junho de 2008

A felicidade pasmada

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Dentro de um sorriso redondo, de olhos abertos e rasgados, habita uma felicidade pasmada. Debaixo do fato aprumado, subtilmente vincado e do vestido de seda grená, habita uma felicidade pasmada. Ao lado do coreto dos músicos, da tasca do tio Alfredo, da mercearia do segundo direito, habita uma felicidade pasmada. Os risinhos introvertidos bocejam em sintonia nas bocas das beatas que por ali passam aos magotes para a missa. No fundo da rua, as árvores encostam-se às casas e empurram-nas para fora das paredes. Dentro das casas, as pessoas sentadas frente à televisão, de bocas cosidas, cospem palavras já fora de prazo. No quarto dos fundos, a Dona Arlete passa todos os dias a ferro a felicidade pasmada da menina Maria. A caminho dos afazeres diários, tropeça-se constantemente nas emoções estáticas, paralisadas e botoxizadas pela ausência de sentimento. No reino do faz de conta, a felicidade, tornou-se um forma de dominação totalitária. Deixou de existir na sua forma natural, passou a ser comercializada em cápsulas seleccionadas sem receita médica recomendada. Por detrás da imagem do paraíso ficcionado, controlado e imposto colectivamente, a felicidade é pasmada. A culpa, está do lado da ambição verde e viscosa que habita os piores e os melhores de nós. Fantasias de democratização das relações pessoais que escondem um ideal de unidade absoluta. Uma tirania de sapos que devemos resistir para não nos afogarmos no charco.

6 comentários:

Viajante pelos Sentidos disse...

Este texto e a voz dorida do Antony... (é ele, não é?)
Mistura perfeita.
Tinha saudades deste teu canto.

Um grande beijo viajante!

RC disse...

Banhos de lama?

Xi.

Von disse...

No desejo crucificado de uma tarde descolorida, na intenção da procura mesmo se desaparecida, no tempo que sobeja depois da partida sem adeus, na linha circular do dia após dia tocada em ré maior, na cadeira vazia, gasta de horas a fio, sem razão aparente para continuar ali.

Em todos os cenários existe uma pasmaceira, audível mesmo se o tom muda e inverte a exacta medida de sentir e deixar de procurar a razão. Em todas as pasmaceiras existem fragmentos de histórias, de sinais, de bocados de madeira apenas possíveis por alguém viver ali.Em todos os alis, está um par de olhos pedindo alguns minutos. Os bastantes.

Von

black puss in white boots disse...

É sim viajante ;)
Obrigada pela visita, já tinha saudades tuas. Também confesso que tenho andado ausente deste telhado e com pouco tempo para navegar em telhados amigos, vicissitudes do mundo laboral :(
Um grande blackiss ;)

black puss in white boots disse...

Desde que não seja lama do lago Ness com monstros incluídos :)

black puss in white boots disse...

Se a pasmaceira é audível e se há sempre por detrás das paredes uns olhos a pedirem minutos. Que se pare o tempo.

A banda sonora em repeat é:

Eyes Of Fire - "Ashes To Embers"