Esta ordem expressa é uma metáfora que nos faz astutos, instigados a correr, para chegarmos o mais depressa possível a um buraco qualquer. E a Alice no país das maravilhas, quer isto, ir, o quanto antes, para um mundo imaginário, único, o seu mundo, e para isto ela não se importa de cair num buraco qualquer. Esta é a Alice. Assim somos nós. Quantas vezes não vemos o mundo desabar e temos de nos guiar por caminhos pelos quais nunca pensámos seguir? Quais são as verdadeiras maravilhas senão a fantasia das nossas mentes tornadas realidade? Deixamos de ser protagonistas da nossa própria história, pois é a nossa história que acaba por se tornar protagonista da nossa vida. Estamos num mundo de realidades e fantasias que se mesclam constantemente. Será que não estamos a sonhar quando pensamos estar acordados? O que vemos não é tudo o que existe. A maior parte escapa-nos aos olhos. Toda a nossa imagem é o reflexo da nossa forma de olhar. Um olhar visto por olhos que não conhecem as suas próprias costas, que nunca vêem o que vem de trás, traídos pelo que se encontra num patamar não sensível. Mas também olhos conscientes, onde existe uma realidade à sua volta que dita regras e valores. "Por detrás do cadáver no reservatório, por detrás de um ressentimento de uma relação, por detrás da senhora que dança e do homem que bebe de forma insana, por detrás do olhar de fadiga, da crise de enxaqueca e do suspiro, há sempre uma outra historia, há mais do que nos chega aos olhos" (W. H. Auden). Olhos que enxergam de acordo com a natureza histórica do seu reflexo, representando-a por semelhanças e que entendem a importância do seu papel nos olhos daqueles que querem fazer história ou simplesmente daqueles que entendem o que vêem. Há os cegos vendados que não querem ver. Há os que vêem demais e são calados. Há muito ainda não visto. Outra das funções do olho é descobrir. Descobrir como é descoberto todas as vezes que tão somente é aberto. O que se pretende afinal é uma realidade sem desilusão, que perpetue o prazer e interrompa a dor. Uma realidade expurgada de culpa e de responsabilidade. É a possibilidade de refúgio num mundo esterilizado, sem consequências. É a realidade sem real. No novo universo é sempre possível pôr a experiência em pause. Além disso nada nos vincula às decisões tomadas, podemos dizer algo e em seguida o seu contrário e fazer delete das opções erradas. Ainda estamos no jogo? Nunca saberemos. Tudo o que a Alice queria era um mundo diferente, invertido. E nós, não é isso que queremos também?
quarta-feira, 19 de dezembro de 2007
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2 comentários:
' ...É a realidade sem real. No novo universo é sempre possível pôr a experiência em pause. Além disso nada nos vincula às decisões tomadas, podemos dizer algo e em seguida o seu contrário e fazer delete das opções erradas. Ainda estamos no jogo? Nunca saberemos.'
.. se sabemos ou jogamos, se o dia realizamos, se os momentos pausamos ou vivemos, se existimos em lugar de gente, se gentes temos em lugar nosso, se dissemos que faríamos, se fizemos o que diríamos em tal jogo universal.
Parei então e sentado sorvi um gole. Não de água em copo vazio, mas de dias que um dia soube existir !
Quanto melhor se enche a vida, menos se tem medo de perdê-la.
A sua essência é a criação contínua de desejos e de ideais. Cada hora é uma amante para o desejo infinito da embriaguez da existência.
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