domingo, 24 de fevereiro de 2008

O vendedor de sapatos de algodão

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Talvez nem tenha nome. Ou sequer morada. Existe apenas no frémito da folhagem seca que caí das árvores aos magotes. Naquela rua estreita, sempre coalhada de gente e amarelada pelo tempo, habita um vendedor de sapatos de algodão. O seu riso é invisível, a sua voz é escura, o grito é de um pássaro que morde o bico por engano. As mulheres acotovelam-se e atropelam-se umas às outras para experimentarem os sapatos. Debruçadas em pontas nas suas formas paralelepípedas, caminham de cabeça erguida, sem verem que debaixo dos seus pés existem uns doces sapatos de algodão. Com tentáculos do mundo visível e invisível, os sapatos de algodão percorrem os pés nas calçadas empedradas, nas escarpas mais elevadas onde sombrios cavalos galoparam. Em ritmos lentos de violinos magistrais, o toque dos dedos delicados mistura-se com a seda carmim dos sapatos de algodão. Concubinos, viajantes de um mesmo sonho, abocanham em êxtase a pele que outrora os uniu.

6 comentários:

Anónimo disse...

os teus textos deveriam estar num livro com uma bela capa!

Abssinto disse...

Muito feminino e subtil. Com o teu cunho de sempre.

bj

black puss in white boots disse...

Risos. Posso escolher o desenho, noivo? :)
Blackiss

black puss in white boots disse...

Merci, doce dandy :)
Blackiss*

Von disse...

Talvez nem tenha nome. Ou sequer morada. Mas estou certo do seu riso. Acredito tê-lo ouvido mais que uma vez, mas nunca naquela rua estreita.

E sem lhe conhecr o nome nem a morada, já me sentei ao lado dele mais que uma vez. Olhamos um para outro, cúmplices na ignorância dos mistérios de ambos. Comemos sempre
algodão doce. É naquela praceta onde o velhote de casaco violeta e violino gasto, toca ao fim do dia as canções que lhe pedimos em voz baixa.

No fim, senta-se no meio de nós, aceita o inevitável pauzinho de algodão doce e deixa-se ficar.

Nunca vimos os risos uns dos outros, mas gostamos de nos sentar juntos, comendo algodão doce e fazendo parte de algo simples.

Von

black puss in white boots disse...

A percepção alimenta a alma. Respira o ar. Como quem perde os sentidos.
Como se as palavras tivessem caído e só ficassem os risos do algodão doce espalhados na praceta atrás do violino gasto.