Tempo branco, tempo de nenhuma paixão. Desce ao âmago desta cela. Debruça-te para o interior do meu vazio. Nenhum rosto, nenhum pensamento, nenhum gesto inútil. Nenhum desejo — porque o desejo precisa de um rosto. E no lugar daquele que partiu acende-se a noite (...) Mas no fundo de mim carregas ao ombro uma chapa de aço, em forma de sol apagado. O teu corpo fundiu no silêncio do meu. Dormimos na espessura da poeira, e nela suspendemos o tempo. Abandonamos a alma. Esquecemo-nos. Nada sentimos, nenhum acto se realiza. Nenhuma alegria ou tristeza. Apenas matéria, matéria deixada à voragem dos escombros e da ferrugem. Agora podemos tocar, enlear, comprimir ou distender os corpos. Construir formas com eles e deixá-los, assim, numa melancólica eternidade. Longe do olhar dos outros, respiramos ao mesmo tempo - como uma só engrenagem, única e bela. Resquício de memória que se apaga lentamente, sem que ninguém dê por isso. (Al Berto, in O Anjo Mudo)
segunda-feira, 21 de janeiro de 2008
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16 comentários:
Não conhecia este autor, estas palavras... mas gostei.
Há verdadeiramente momentos brancos, desprovidos de paixão.
Temos que reacendê-la... se valer a pena.
Um beijo viajante...
obrigado por estas palavras deliciosas!
A poeirada dos dias. Nada como uma refrescante chuva para assentar todo esse pó e dar depois início a um recomeço.
bj
Um texto brilhante.
É sempre bom rever Al Berto.
Às vezes o impossível é mais visível que o possível.
Blackiss com ar viajante ;)
Palavras (sempre) deliciosas do Al Berto.
Blackiss, noivo!
A ordem consciente dos sentidos, esconde um oceano cheio de tempestades profundas.
Blackiss abssinto ;)
Um rasto dos cometas sempre bem-vindo ;)
Lindo!
Poderia ter sido escrito por ti...
Obrigada redlight ;)
As palavras do Al Berto...foi quase como se as vestisse, ficaram entranhadas na minha pele.
Blackiss especial
as palavras do anjo negro.também as li,em outros tempos.tem textos que parecem colagens de mim.
(se no meio desta confusão de livros,encontrar aquele que quero,venho deixar-te aqui um dos meus preferidos dele)
beijo,beijo!
Simsimsim vertigo, quero sim, se encontrares, deixa qualquer coisinha no meu telhado ;)
Blackiss
Sim,sim,quando tiver um tempo,venho deixa-lo aqui..é um texto que arrepia.de ser tão real.de o sentirmos tanto.à flor da pele!
Mas olha,sei esta frase de cor (dele). tanta vez que o faço:
'Acendo um cigarro e falo com o meu coração'
Kiss!
Que frase bonita, vertigo. Fico à espera para ler o resto ;)
Entretanto vou buscar ali um cigarro para falar com o meu.
Blackisses!!!
Apenas respirar ao mesmo tempo inibe uma engrenagem desnecessária... talvez porque o desejo almeja um rosto, os corpos manobram o silêncio ao longo de um sono atento, a alma permanece aos pés da cama afagando o tempo e a matéria só é voraz quando o desejo o desejar. E só por isso, a memória, mesmo em resquícios, nunca se apaga.
Von
"Como uma voz solta da paz deitada ao comprido, a enrolação da onda estoira e esfria e há um salivar audível pela praia invisível fora.
Quanto morro se sinto por tudo! Quanto sinto se assim vagueio, incorpóreo e humano, com o coração parado como uma praia, e todo o mar de tudo, na noite em que vivemos, batendo alto, chasco, e esfria-se, no meu eterno passeio nocturno à beira-mar!" (Bernardo Soares, in Livro do Desassossego)
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