Fechada naquela casa, brincava todos os dias com os dias, no tapete das horas acesas pelos fósforos. Nos dias às cores, enlaçava o seu sorriso carmim com ganchos às madeixas pretas dos seus cabelos de algodão. Repartia o coração ao meio e formava cortinas com os amores fervidos em lume brando. Nos dias a preto e branco, guardava as lágrimas de cristal delicadamente numa caixinha de veludo para não se partirem. Com os lábios tatuados pelas paixões desordenadas, lançava as desilusões atómicas ao vento e segurava as grades dos encontros com firmeza. Via-se ao espelho, no limiar da porta. Perdera a noção de tempo. Estava nua na sociedade organizada e vestida. Via o seu corpo adormecido, a cabeça encostada ao vidro derramava o êxtase de estar ali. As pessoas à sua volta, distraídas e apressadas num atordoador conjunto de espasmos simultâneos, insistiam em rasgar a pele com farpas frias até ao osso. Já sem rosto e sem alma, apercebeu-se de que tinha uns olhos de vidro. As lágrimas de cristal, essas, transformaram-se em pedra. Nada mais restava além do silêncio. E subitamente, um dia como um grito, um formidável dia, apenas abriu o trinco da porta e saiu. A claridade ofuscou-lhe as pestanas. Estilhaçou-se em pedaços. Uma luz pairou no céu como uma dupla estrela e logo se transformou em cristal colorido, cujas extremidades irradiava uma luz vermelha. Estava transformada. E porque dessa vez alcançara a metamorfose, a partir desse dia podia transformar-se no que quisesse. No brilho da cor, com diversos olhos e rostos, o seu coração batia, batia pelo momento (magicamente) pressentido.
domingo, 10 de fevereiro de 2008
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14 comentários:
xa das palavras no seu melhor, é o que encontro sempre que te visito!
Lindo, lindo, lindo! Fogo, é um texto lindo!
Tchin tchin noivo, com chá de pés de cereja japonesa, para não arrefecer as palavras ;)
Blackiss
:)A beleza é de quem as lê e sabe saborear com paladar apurado.
Blackisses, abssinto ;)
Estás em metaformose... entre o felino e o mais além. E sonora como cristal.
Von
Que maravilhoso texto BlackPuss... lindo mesmo.
Cada vez melhor!!!!!!!!!......
Um beijo (ainda atordoada)
E em metamorfose, não me transformo em insecto kafkiano mas em cristal.
É este calor de fusão que explica a tendência das substâncias puras, quando arrefecem, para assumir a forma cristalina, com elevada ordenação espacial...
Obrigada viajante. Um fim de semana com muitos sentidos :)
Blackisses
Um sopro de beijo perfumado para ti vertigo!Bom fim de semana ;)
Que texto fabuloso!
Terno, delicado, macio, brutal, agreste, áspero.
Tudo ali, aos olhos dessa boneca sem vidro na alma.
Uma boneca que se tornou real ;)
Blackiss especial, red!
Belissimo texo...
escreves mto bem^^
ateh mais.
Obrigada pela visita ao telhado, mila dark angel.
Blackiss*
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