Só se compreende bem uma época sentindo o seu odor. Inventamos um mundo cada vez que escrevemos. De facto, é cansativo querer dizer sempre a verdade de uma época. Os humores sociais e instintivos dizem mais do que muitos tratados científicos. A este Prometeísmo moderno está em vias de suceder a figura de Dionísio. Hedonismo ambiente, latente. Aquilo que for feito amanhã pouco importa, desde que se possa usufruir, aqui e agora. De facto o Dandismo é uma arte de viver feita de elegância, de prazer, de gozo, que conforta um ambiente erótico e que assegura a transição de um tipo de sociedade para outro. Momentos de intensidade dos quais sabemos, de uma maneira trágica, que são fugazes, pontuais e que vivemos, enquanto tais, sem nos preocuparmos com o amanhã. É verdade que a multidão em movimento e os movimentos de multidões induzem uma espécie de embriaguez. Repleta de solidão, como quem sai da agonia do orgasmo, o homem é filho da agonia e do gozo, para enfrentar os arrepios da vida, ocupa espaços vigorosos nos bordéis, nos cabarés de boleros e tangos, soluça nos dias cheios de luz vermelha, de beijos e de abraços, impregnados de bebidas, pintados em ângulos fechados, com uma tensão narrativa repleta de metáforas e de símbolos. Cada um à sua maneira, faz da existência que se vive aqui e agora, uma espécie de obra de arte. O que advém, já adveio, como uma maçã que não chega à boca porque as mãos o impedem.
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
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10 comentários:
isto tá profundo!
E eu divido-me entre o espírito apolínio e o dionisiaco. Mais o último, creio bem...
Excelente, b.
bj
Hoje em dia é assim mesmo... o prazer individual em detrimento de uma possível felicidade construída em termos de "longo prazo". O elogio do imediato, do "meu" prazer, do hedonismo, do "quero já", do fast-food, fast-love, fast-fuck, fast-live...
Mas todos envelhecemos...
E quando a arte construída no aqui e agora não chegar?!?
Já a maçã terá caído de podre...
(não sei se era disto que falavas... mas assim o entendi!)
Um grande beijo viajante...
Confesso que já vivi a 'longo prazo',planear,sonhar alto..não sei se chama a isto aprender,mas agora,cada vez mais,penso a minha vida como se amanhã ela pudesse terminar.é como tu dizes,'cada um à sua maneira, faz da existência que se vive aqui e agora, uma espécie de obra de arte'
(cada um à sua maneira)
O texto está FA-BU-LO-SO!!!
Beijo
A época não é nossa. O mundo também não. E dos odores, quase todos são falsidades e invenções.
Ao escrever invento momentos, porque dos mundos só me faz falta o que o mundo não sabe fabricar. E das épocas, retiro adereços, toques destilados como a eterna cereja no topo... do meu mundo.
São essas cerejas que recebo de Dionísio. E se latente, se apenas elegante, então mantém-se arte enquanto me der prazer. Não é o prazer uma arte? Uma arte entre o conforto e a pressa de uma adrenalina que transmite o que não sei escrever. Sabes escrever erotismo? Sabes escrever ambiência? Sabes escrever incenso, olhos fechados e colcheias?
E a sociedade, empurra-a da falésia e nem sequer a vejas cair.
A intensidade só merece quem a sabe reconhecer. O fugaz só merece a atenção na lentidão da pressa. O pontual, que é trágico, é apenas um empecilho. E a embriaguez não deveria ter amanhã... nunca.
Restam os bordéis? Os cabarés? Os boleros? Os roçares pegajosos de vermelho fingido? Que restem para quem os engula, porque os tangos, esses, ainda são livres, acredita.
E o que fica desta Babilónia? As maçãs como obra de arte.
Von
...das profundezas :)
Blackiss noivo!
E quando a bebida tocou os seus lábios, sentiu a maciez do corpo do vinho e percebeu seu sabor suave e embriagador. Tchin tchin abssinto!
Blackiss!
O viver "o aqui" e "o agora" tem o seu lado bom, vive-se os momentos sem ficar à espera que chegue o amanhã.
Mas também tem o seu senão, perde-se o gosto apurado pela construção do amanhã, incerto, decerto, mas sempre sonhador.
Blackiss com sentido, viajante ;)
Cada um à sua maneira terá de encontrar a fórmula de sobrevivência no pomar, para que as maçãs que apanha não sejam apenas umas simples maçãs.
Podem ter bicho, mas para isso é preciso trincá-las para as conhecer.
Grande blackiss vertigo, obrigada!
Delineio semânticas que expressam expoentes daquilo que sou. Só existo na duplicidade do meu reflexo no espelho. Pedaços do mosaico que moldam esse todo. Fatias de anseios, desilusões, alegrias que tingem de arco-íris a carapaça que cobre o corpo. Nos jardins suspensos da babilónia habitam maçãs em fogo numa caixa de três espirais por onde se passeiam os sonhos.
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